Ednaldo Rodrigues
Muitos professores de música,
professos e estudantes na área, podem pecar por acreditar que a sala de aula
regular é uma bolha que está isolada de seu entorno, e que a execução dos
planos de aula acontecerá, sempre, da maneira idealizada, baseados em parâmetros
comparativos com alguma experiência anterior que tenham vivenciado em outra
unidade de ensino, desconsiderando as possíveis interferências externas e
internas que podem incidir sobre esta execução. Neste sentido, um fato que é
pertinente observar é que cada comunidade escolar responde e age de acordo com
a comunidade local, a qual está inserida. Logo, devemos levar as experiências
vivenciadas para onde formos, mas não devemos ir, ao novo, carregados de
pré-conceitos.
É coerente afirmar a existência
de uma diversidade relevante no que tange à realidade que encontramos nas
diferentes Unidades de Ensino espalhadas por Salvador. E, no que diz respeito à
realidade, uma questão que deve ser levada em conta são os desvios
comportamentais em alunos, os quais - desvios - encontraremos em
qualquer lugar, é obvio, mas as formas de lidar com os mesmos vão mudar de U.E.
para U.E., de gestor para gestor, de regente de classe para regente de classe,
de professor de música para professor de música, de classe para classe, de
aluno para aluno, em maior ou menor grau e dependendo, impreterivelmente, do
contexto, gerando impactos significativos nos planos de aula e no tempo necessário
para alcançar determinada habilidade por aluno. Fato é que este é um tema com o
qual temos de lidar diariamente nas aulas e precisamos, enquanto educadores
musicais, saber contornar esta questão e tirar o melhor proveito possível de
nossas aulas, mesmo quando não parece possível.
Vamos ser realistas, além das
diferenças de faixa etária e ciclo em que leciona-se, cada turma, cada aluno,
tem um tempo diferente de aprendizado, e por nossas salas vão passar alunos que
não conseguirão, por exemplo, cantar uma nota afinada, se quer, ou
recusar-se-ão a participar da(s) aula(s) ou, até mesmo, ficarão correndo de um
lado para o outro durante toda a aula, salvas exceções e contextos. Não acredito que o nosso
papel, enquanto educadores no ensino regular, seja impor conteúdos à cabeça dos
educandos, ou exigir que ele cante um lá “440”, mas, na qualidade de educador,
enxergar o educando enquanto ser humano que tem necessidades e buscar formas de
atingi-lo através dos sons, preparando-o para, acima de tudo, ser um indivíduo
melhor para a sua comunidade e, consequentemente, para a sociedade.
Me perguntaram um dia desses “o
que é musicalizar”, e eu respondi que para mim significa “apropriar o educando
do contexto musical”. Parece abstrato? Mas o que significa isso para você?
Tenho razões para acreditar que apropriar um indivíduo do contexto musical é
muito mais do que mostrar palavras em um quadro, é mais do que reconhecer e
decodificar símbolos, é vivenciar o contexto musical enriquecido de seus
elementos, e nem precisa ser de maneira consciente, apenas vivenciado.
Todavia, cada professor cria suas
estratégias baseado em suas experiências idiossincráticas. Encontraremos quem
desenvolva, por exemplo, aulas de música com Mozart do grupo zero ao 3º ano do
nível médio, ou quem passará por todos estes sem se quer falar o nome das notas
musicais. Existe uma regra a ser seguida? Qual a relevância dos estudos feitos
por tantos pesquisadores e doutores em educação musical? Como e o quanto isto
deve influenciar o meu plano de aula? A verdade é que não há um consenso sobre
este ou aquele método ou educador, e sempre encontraremos questões que
discordaremos em um ou outro. Então, ajuste, adapte, crie, faça a aula de
música acontecer, e mais importante: faça a aula de música ser marcante,
prazerosa. Como você quer ser lembrado? Como aquele professor chato que
obrigava cantar a mínima no tempo certo, ou como aquele professor que trouxe um
novo olhar para algo que antes “eu” não havia notado no mundo da música? Sem
querer dar margem a esta profunda discussão, mas você pode ser um professor que
faz uma mínima ficar divertida.
Os estudantes de licenciatura em
música que se dão à oportunidade de vivenciar este contexto levarão para sua
formação uma visão mais crítica e ampliada a respeito da relevância do ensino
de música para o ensino regular a partir de sua convivência com a comunidade
escolar e, consequentemente, com seus respectivos supervisores, os quais
não são donos do saber ou da verdade, podem não ter a melhor pronuncia do
inglês, francês, ou de qualquer outro idioma, mesmo o português, pode não ser o
“melhor professor” ou ter os “melhores planos de aula”, na opinião de alguns,
ou muitos, mas tem imenso potencial de contribuição baseado em sua
experiência de vida e na convivência com os desafios diários de uma sala de
aula. Isto deve ser observado. As estratégias criadas por cada um, na
comunidade em que está inserido, o processo de adaptação, as conquistas
alcançadas no espaço e comunidade escolar. O licenciando tem a oportunidade
de questionar, experimentar, contribuir, pois que melhor lugar haveria para
favorecer trocas do saber? Mas, para isto, temos que estar focados em um
objetivo comum, não permitindo que outras questões nos desviem do caminho, não
achando que somos melhores do que o outro, ou ficarmos procurando defeitos, mas
devemos estar buscando contribuir, sempre, da melhor forma possível, favorecendo
o crescimento mútuo, em todos os níveis.
Deve-se lembrar, também, que as
aulas de músicas precisam trazer ludicidade. Você vai errar, vai acertar, não
importa. Tem é que continuar tentando, experimentando. Haverão turmas em que
você irá sentir vontade de desistir, de jogar tudo para o alto, de mudar de
profissão, mas renove suas forças, se este for o caminho que você deseja
seguir, e faça a sua parte, não como um mero professor, mas enquanto educador,
e, para alguém, em algum momento, você fará a diferença.
Entre os trabalhos que já foram desenvolvidos na Escola Municipal Xavier Marques, estão os projetos de flauta
doce, coral infanto-juvenil e o festival de música, além das aulas regulares
“de todo dia”, baseados em uma proposta curricular elaborada na Rede Municipal
de Salvador, os Marcos de Aprendizagem em Música, trata-se de um documento com
proposta curricular em música, feito com o objetivo de orientar os docentes
especialistas em música na rede municipal (na verdade foi elaborado pelos professores de artes e inglês).
O Coral Juvenil Xavier Marques
foi o primeiro dos três que nasceu na escola, desde 2007, e vem promovendo a educação musical através do canto coletivo e ludicidade. Os
ensaios acontecem em turno oposto e este coral já realizou algumas apresentações em eventos tais como na mostra pedagógica da Prefeitura Municipal de Salvador, em Seminário Interno do PIBID, na UFBa, em bibliotecas do bairro, eventos escolares
internos e externos, entre outros. Neste ponto, é pertinente a observação que
com a estrutura municipal, onde a U.E. está inserida nas comunidades, as
crianças pouco saem de seus bairros, e têm suas escolas como mais um elemento
para interação entre eles, que já convivem na comunidade. Os momentos de
apresentação e saídas são únicos e fazem brilhar cada olhar com a possibilidade
de desbravar outros espaços. A escolha do repertório está também intrinsecamente
relacionada com a comunidade. E o processo de aceitação do repertório levado
pelo professor leva um tempo e está relacionado, também, com a convivência,
confiança conquistada e acordos firmados - onde também entra a questão sobre o domínio sobre os
desvios comportamentais.
O Festival de Música, concebido
desde o ano de 2008, nasceu com a proposta de promover interação
multidisciplinar, na qual toda a comunidade escolar estaria envolvida no processo e
execução. Seja na categoria COMPOSITORES MIRINS, cuja produção de texto seria feita
em parceria com a professora regente da classe, professor de música e alunos,
ou na categoria INTERPRETANDO SUCESSOS, onde, na proximidade do festival, um
horário da aula seria destinado para ensaio com a professora da turma, todos os
dias se possível, para turmas do 3º, 4 º e 5º ano, e o mesmo para a categoria ESPECIAL, nas
turmas do 1º e 2º ano, que podem participar cantando ou coreografando.
Para participar do festival o(s)
aluno(s) se inscreve(m), e participa(m) de uma “prévia” nas aulas
de música da qual sai, pelo menos, um ou dois representantes da turma para concorrer, de
acordo com o regimento do festival. A partir daí os ensaios acontecem com o
objetivo de melhor preparar as apresentações que serão julgadas e avaliadas por pelo menos três convidados especiais que desempenham a função de jurados. Os DESTAQUES
recebem um certificado especial e uma premiação, quando possível, angariada com
doações.
O projeto de flauta doce,
conquistado com muito esforço, aconteceram em turno oposto, assim como o coral, e
só foi concebido no ano de 2012. Após a aquisição de 35 flautas doce soprano. O
aluno pode optar por se inscrever em um dos projetos, ou todos.
Este artigo foi utilizado no 3º Seminário Interno do PIBID Música - UFBA, no ano de 2012.
Infelizmente, no ano de 2013, a prefeitura mudou a matriz curricular e obrigou o professor de música desta unidade de ensino a dividir a carga horária entre a Xavier Marques e a Municipal Fazenda Grande, ficando este na Municipal Xavier Marques apenas UM dia na semana, criando um clima desagradável entre a comunidade escolar e o professor supracitado além de IMPEDIR POR ORDEM EXPRESSA a continuação da prática musical (outrora projetos pedagógicos) no turno oposto dos alunos, em todas as escolas da rede municipal de ensino. Com a pura e clara intenção de utilizar-se destes professores para tapar buracos da nova matriz proposta. Quando questionados o que faria-se do investimento da verba pública que foi feita para a realização destes, a resposta foi: "guarda no depósito"! Lastimável. A APLB tentou comprar a briga e conseguiu adiar parcialmente a implantação da matriz,
o conselho escolar escreveu um ofício, na tentativa de reverter a situação, mas nenhuma resposta, se quer, houve, e o estrago já havia sido feito.
Em 2014, a secretaria de educação do município (que passou o ano de 2013, inteirinho, replanejando seus propósitos, a fim de não deixar as brechas que haviam deixado na proposta de matriz adiada) alterou mais uma vez a matriz curricular, desta vez aumentando a carga horária por turma no ensino fundamental 1, em cujo currículo encontram-se como "disciplinas diversificadas": Artes (na qual obrigam apenas uma linguagem por escola), língua estrangeira e educação física. Desta vez mas escancarada a proposta (matemática) de colocar estes professores de "disciplinas diversificadas" no que seria a "reserva de carga horária" dos pedagogos. Ou seja, a reserva de CH dos pedagogos está sob a responsabilidade destes professores. Vislumbrando os problemas desta proposta, e para citar apenas um, questionei ao subsecretário o que aconteceria se este professor não pudesse comparecer (claro que seria exceção e não regra), mas a resposta surpreendeu: "a turma seria liberada". Bom, pensando em uma turma de 5º ano, talvez de 4º ano, mas e uma turma de 1º ano? Eles seriam liberados para onde? Para o pátio? Como os pais iriam saber a hora de buscar o aluno? Quem cuidaria destes alunos, enquanto os pais não fossem buscar? Fui para uma exceção, porque não tenho como objetivo aprofundar este tema aqui, mas existem questões de ordem matemática, pedagógica e isonômica, para citar apenas três, que colocam em xeque esta proposta e questionam sua funcionalidade em nossa rede. O ano de 2015 será mais difícil. Atualização do plano de carreira (mal feito), aprovado este ano. Espero, em 2015, poder retomar os trabalhos desenvolvidos/conquistados com a disciplina de música dos anos anteriores, sem a interferência maléfica da secretaria de educação.